Quando a Psicóloga entra em licença maternidade

Então, vamos lá. Nos últimos conteúdos (artigos e vídeos) eu venho falando muito sobre como o psicólogo pode auxiliar mães em diversos contextos, que é afinal, meu nicho de trabalho! Inclusive dando dicas de opções diferentes de trabalho, ou formatos que vão além da psicoterapia, para se trabalhar com este público específico. No entanto hoje, gostaria de trazer uma outra realidade para vocês: a psicóloga que entra em licença maternidade.

Pode parecer meio bobo, mas acredite, Psicólogo também tem vida pessoal, e por mais estranho que pareça, vida além do trabalho! E não apenas tem vida, como engravida (olha que bonitinho, até rimou)! Uma gestação, como para todas as mulheres, é um novo ciclo que se inicia, com outros aprendizados, desafios e descobertas. E olhe só, em algum momento, este bebê vai nascer (ai que óbvio, eu sei), no entanto, se você trabalha com carteira assinada, acontece como de praxe para todas as mães que são funcionárias de alguma organização/empresa. Já se você é profissional autônoma, ou trabalha com psicoterapia, aí precisamos falar um pouco mais e entrar em certos detalhes!

É mais ou menos assim: a gente sonha com a gestação – nem sempre, as vezes ela nos pega de surpresa – idealiza, imagina como vai ser, o que vai fazer, como será o rosto do bebê, se vai dar muito trabalho, se vamos dar conta, enfim, vários questionamentos aparecem. E de repente, do nada, cai a ficha de que você, psicóloga com atuação em clínica, assim como qualquer mamãe, precisará se afastar por uns meses após o nascimento do baby, ou seja, tirar sua própria licença maternidade. Até aí, tudo bem, tudo lindo, tudo gostoso!

Mas espera, e os pacientes? O que faço com eles? E agora, como eu lido com isso?


Talvez a resposta pareça bem simples: “Ué, tire a licença, passe seus quatro meses sem atender, e depois você volta.”. Será que é assim simples mesmo? Olhando friamente, é isso mesmo, porém, precisamos pensar em primeiro lugar quem são esses pacientes, ou em que “estágio” da terapia eles se encontram, além da gravidade do caso de cada um deles, afinal, não se pode apenas virar as costas e voltar após quatro meses, achando que eles estarão lá, tranquilamente aguardando por nós! Acredite, muito provavelmente o paciente já está pensando em como será quando você estiver ausente, afinal, ele está acompanhando a sua gestação, e sabe que em algum momento você precisará se ausentar, seja por um período, seja permanentemente.

O que eu sugiro que você faça é o seguinte: primeiramente crie uma lista dos pacientes que provavelmente precisarão continuar com atendimento mais frequente, seja pela gravidade do caso, ou pela situação de vida que o paciente vem enfrentando, ou qualquer outro motivo que lhe pareça importante considerar.

Depois tente ser um pouco empático e pense “Se eu fosse ele, será que seria melhor ou pior ficar este tempo sem atendimento?”. Tudo bem, quatro meses não é um período muito longo, mas para alguém que está em sofrimento, pode ser uma tortura. E digo mais, se você não der um jeito de deixar este paciente mais confortável na sua ausência, é bem provável que você o perca para outro profissional pela falta de assistência!

Para estes, especificamente, acredito que há alguns caminhos possíveis, e só quem saberá dizer qual o melhor, é o próprio paciente. Você vai precisar conversar com ele abertamente e ver o que ele entende ser o melhor nesta situação.

Uma possibilidade é você encaminhá-lo a outro psicólogo, antes mesmo de se afastar para sua licença, assim ele poderá te dar um feedback, e se por algum motivo não gostar daquele profissional, você pode indicar para outro. Pode ser que ele não aceite ir em outro porque já está bem confortável e gosta muito do seu trabalho, mas de qualquer forma, você precisa se mostrar disposta a resolver este “pepino” para o paciente e dar a ele outras alternativas, que não seja te esperar apenas por falta de opção.

Eu sei, provavelmente você está pensando: Nossa, e se ele se identificar tanto com o outro psicólogo a ponto de não querer mais retomar os atendimentos comigo depois? Bom, é um risco que você corre, no entanto, vocês já têm uma certa conexão e um vínculo, sendo assim, a possibilidade de isso acontecer é menor. Mas existe sim este “risco”.

Aí eu te pergunto: você prefere “perder” um paciente por ter feito o melhor pra ele, encaminhando-o a outro profissional, ou porque você simplesmente foi viver sua maternidade, sem nem dar nenhuma alternativa e por medo não o encaminhou? Muito delicado né?!

Uma opção que pode parecer interessante ao paciente e talvez não tão confortável pra você (depende de como você encarar a situação) é fazer os últimos atendimentos, antes de tirar sua licença maternidade junto com o psicólogo que vai te substituir, para o paciente começar a ficar confortável com o novo profissional! Há quem goste e há quem prefira não fazer isso, vai depender de vocês conversarem e tomarem a melhor decisão para ambos! Lembre-se de sempre incluir o paciente nessas decisões, afinal, é ele que está em tratamento/atendimento.

“– Ana, e se eu voltar antes do tempo, depois de um mês e meio do nascimento do meu filho, para atender pelo menos quinzenalmente meus pacientes?”. Essa é uma possibilidade, mas te digo que terá que lidar com vários outros fatores:

  • o bebê;
  • o seu cansaço;
  • o quanto ele dorme ou chora;
  • o quanto você se sentirá confortável ou não em tirar o peito para amamentar na frente do cliente – eu sei, isso é natural, mas é as vezes constrangedor;
  • o quanto você está disposta a ir e deixar a criança com outra pessoa durante esta uma hora de atendimento;
  • o quanto você acredita que vai conseguir se desligar sem ter o bebê ao lado;
  • o quanto de sorte você terá com um filho supertranquilo que não chora, dorme exatamente nas horas que você precisa – e se você tiver essa sorte, por favor me conte;
  • ou o quanto você terá de jogo de cintura caso o bebê desabe a chorar durante seu atendimento, e você precise ficar pulando com ele no colo enquanto presta atenção no paciente – será que isso é mesmo possível?
  • e VÁRIAS outras questões!

E quanto aos pacientes que não estão tão graves assim, que já estão se virando bem, e não sentiriam tanto assim essa “perda”?

Sugiro que você comece a pensar quais deles já podem iniciar um processo de alta, para que dê os devidos passos, alguns meses antes do bebê nascer, assim você sairá mais tranquila, e saberá que ele estará bem, sem se sentir preocupada ou culpada por isso. Aqueles que você pretende dar alta, talvez valha a pena fazer um atendimento mensal depois do período de licença ou até durante este período, mas aí você precisa novamente avaliar cada um desses itens acima, para ver se realmente compensa e se você vai conseguir.

E só mais uma sugestão, depois dessa, prometo que eu paro por aqui...

Se você está grávida, e sabe que vai ter que parar daqui poucos meses, POR FAVOR, seja empática o suficiente para pelo menos uns quatro meses antes da data prevista para o parto, não aceitar novos pacientes. Eu sei que quem vai ter filhos precisa muito de dinheiro, e que vai fazer falta negar alguns atendimentos, mas pense bem, se você fosse o paciente e sua psicóloga te atendesse só 3 ou 4 meses e depois saísse de licença, como você se sentiria? Tudo bem, a escolha é do paciente em te ver grávida e mesmo assim continuar na terapia, mas você acha justo mesmo?

Me perdoe se estiver sendo um pouco radical, porém, como sempre digo, a maternidade é uma terra onde o ideal nem sempre é o real.

Imprevistos acontecem, e você pode inclusive ter algum problema de saúde específico de gestantes, e ter que ficar internada para ser monitorada, ou para segurar a gestação até o tempo mais longo possível, ou ainda, ter um filho prematuro!

E como ficam seus pacientes nisso se você não se planejar? Eu sei que provavelmente estou sendo um pouco dura, no entanto, me sinto na obrigação de informar a vocês que isso pode acontecer!

Talvez eu tenha essa visão um pouco “exagerada” ou “realista demais” justamente por ter passado por duas gestações muitíssimo complicadas, de alto risco, com dois filhos prematuros, onde tudo que a minha obstetra – especialista em gestação de alto risco – falava  era “Ana, isso acontece 1 em cada 100.000 casos”, ou “Ana, a probabilidade disso acontecer com você tomando esses medicamentos e se cuidando desse jeito é de 0,01%”, simplesmente acontecia! Eu virei piada pra ela, e até hoje rimos muito juntas (agora que passou, claro), porque eu fui a paciente do “improvável” e do “quase impossível”, em que tudo que poderia dar errado, realmente dava!

E é importantíssimo lembrar que aqui estamos falando da licença maternidade ideal, perfeita, e maravilhosa, onde a criança nasce bem, saudável, e tudo ocorre perfeitamente como o esperado. Se a criança tiver algum probleminha de saúde, como baixa imunidade, APLV – alergia a proteína do leite de vaca, alergias respiratórias, ou alguma outra coisa que possa surgir, a chance de você ter que se ausentar por bem mais tempo, é ainda maior!

E claro, ela pode estar perfeitamente bem de saúde, e de repente você descobre que não tem nenhum desejo de voltar a trabalhar até ela completar, sei lá, pelo menos um ou dois anos de idade. Sim, você pode sair do consultório no último atendimento pensando que em breve vai querer voltar, e de repente perceber que não quer mais, nem depois dos quatro meses, e isso acontece com uma certa frequência.

Por esses e outros motivos que eu te digo, você precisa ter um plano B, uma carta na manga, e pensar em alguma alternativa.

Resumindo:


Espero que eu não tenha jogado nenhum balde de água fria em você, colega psicóloga que está gestando e que procurava respostas do que fazer quando sair de licença, mas como disse, na maternidade existe uma distância entre a expectativa e a realidade, portanto, precisamos estar preparadas para tudo. Para o que vai dar muito certo, e o que vai sair bem diferente do que planejamos.

A “mensagem final” que deve ficar, do meu ponto de vista é: prepare-se para encaminhar os pacientes que não podem te esperar e combine sempre com eles o que é o melhor para eles. Além disso, com aqueles que puder, já adiante o processo de alta e veja como fluirá cada caso. Com certeza alguns pacientes vão preferir te esperar para retomar a terapia e vão ficar bem neste período, mas nem todos podem te esperar! Por isso, seja empático, pense com carinho em cada um deles e não aceite pacientes novos quando for chegando a hora de você sair, ok?

Espero ter esclarecido e auxiliado quem estiver passando por esses momentos! ;)

Se você, psicóloga e mãe já passou por isso, e fez de maneira diferente, compartilha aqui com a gente por favor? Adoraria receber novas ideias e ver como cada uma se virou!

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*Nota da editora: Também temos casos em que o psicólogo é o pai. E aí como agir? Recentemente, nosso parceiro de conteúdo Rodrigo Moreira viveu a experiência da paternidade e pedimos que ele também compartilhasse como é esse momento para os homens. Veja aqui:

E quando quem está esperando é um pai?


O que esperar de seus pacientes quando se está esperando?

Quando a Daiana Rauber sugeriu que eu escrevesse algo sobre a dúvida de uma colega, psicóloga, eu logo me perguntei: “Quem sou eu para falar sobre isso?”

Bom, essa colega está esperando um bebê. E a sua dúvida era o que fazer com os seus pacientes durante o período de licença maternidade. Claro, eu sou homem, “sei tudo” sobre isso, rsrsrs.

Brincadeiras à parte, eu sou pai. Meu filho completou recentemente 5 meses. E vejam só, eu não parei de atender, como também não parei de realizar aquela que é a minha atividade principal: desenvolvimento de treinamentos e demais soluções de aprendizagem corporativa.

Aí você, cara colega, me pergunta:

“É óbvio! Você é homem? Garanto que a coitada da sua esposa teve que se virar para cuidar do bebê”.

Sim. Ela se virou bem. E eu também. Nós nos “viramos e reviramos”.

O fato de eu trabalhar a maior parte do tempo em casa, me possibilitou mergulhar muito mais nesse universo materno. Tenho vivido algo diferente de muitos pais. Isto vai desde um gracioso sorriso de bom dia, dado todos os dias pelo Gael, até incontáveis horas com ele no colo, pois, no mundinho dele, às vezes, é necessário mais desse contato “pele a pele”.

Bom, não vou enrolar mais. Conviver e observar a minha esposa, MÃE, trabalhando (somos sócios, e ela não é psico) e cuidando do nosso filho, me fez constatar algumas coisas:

  1. Ter alguém com quem contar (marido, avó, tia) para dividir as atividades é muito importante;
  2. É essencial se desligar do mundo e viver, ainda que seja apenas por 1 mês, uma intensiva “lua de leite” com o seu bebê;
  3. O trabalho pode esperar, pois a vida é uma só, e esse tempo não voltará mais.

“Mas você ainda não respondeu a minha pergunta?”

Vamos lá:

  1. Contar com alguém significa contar com a ajuda dos próprios pacientes. Informá-los sobre a gravidez, para que eles também se preparem para um desligamento provisório ou não. Aí, dependerá muito da sua nova rotina com o bebê e a sua vontade, que lhe permitirão voltar ao trabalho em “X” tempo. Dê opções a eles também. O atendimento online funciona muito bem, e você não precisará sair de casa;
  2. Se desligar do mundo permitirá a você e ao seu bebê se conhecerem mais e mais. Quando ele estiver dormindo, claro, você dorme também... não é fácil! Mas, com o passar do tempo, a vontade de “sentir-se produtiva” outra vez chegará. Com uma rotina estabelecida e, de certa forma, “desligada do mundo”, aproveite para estudar, começar ou finalizar aquele projeto que você idealizou, fazer contatos, avaliar o mercado e se familiarizar com novas oportunidades. O mais importante é que você estará se movimentando, mesmo sem se “descolar” do seu baby;
  3. Quanto aquilo que o trabalho pode esperar, encaminhe quem for necessário para outro profissional que realize um trabalho com fundamentos parecidos ao seu. Talvez alguns pacientes não aguentem esperar até que você volte. Obviamente, o vínculo é algo muito importante a ser considerado; no entanto, lembre-se: assim como os filhos, os pacientes pertencem ao mundo. Cedo ou tarde eles irão embora. Se assim for nesse período de licença, você terá cumprido o seu papel. É possível que haja um déficit financeiro; contudo, esse universo é uma parada incrível. No item 2, logo acima, você estará se movimentando. E será bem possível, aliás, factível, você replanejar a sua carreira e voltar a ativa com novidades. Obviamente vale se capitalizar antes, para não sofrer muito com isso. Mas as oportunidades sempre estarão aí, “beirando a porta”.

Espero ter ajudado... já que eu “sei tudo” hahahahaha.

Forte abraço!

Autor Ana Paula Majcher Petry e Rodrigo Moreira

Ana Paula Majcher Petry e Rodrigo Moreira

@anarodrigo

Convidamos dois de nossos parceiros de conteúdo que, além de psicólogos, também são mãe e pai e vivem com muito prazer esse universo. Ana Paula é mãe do Pietro e da Laura, anfitriã do canal Gestando e Aprendendo aqui no psico.club, psicóloga com especialização em Terapia Cognitiva e formação em Coaching Psychology pela Academia do Psicólogo. Apaixonada pelo universo da maternagem, atua desde 2011 em atendimentos clínicos, palestras e workshops voltados para pais e educadores. Rodrigo é pai do Gael, anfitrião do canal Espaço do Winnicott, psicólogo e especialista em gestão de pessoas. Como consultor, tem sólida carreira desenvolvida em grandes consultorias de educação corporativa. É escritor, tendo lançado seu primeiro livro Ele não é isso pela Editora Arwen; e futuro psicanalista winnicottiano.

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