Tarefas do terapeuta

Como assim, temos tarefas?

Sim, temos que ter: clareza, direção e potência na sessão psicoterápica, a partir de uma visão diagnóstica do cliente.

  • Clareza para saber o que ele está buscando na terapia (que tipo de respostas)
  • Direção para que possamos caminhar juntos e encontrarmos algumas destas respostas e
  • Potência para trabalharmos com as questões que irão aparecer.

A mão que acolhe e a mão que frustra (clareza)


Perls dizia que devemos com uma mão acolher o cliente e com a outra frustrá-lo.

De que forma?

Por exemplo, quando o cliente quer “abandonar” uma situação ou quando ele traz para a sessão algo que insiste em dizer que “não tem jeito” (casamento, uma situação familiar, emprego, etc) podemos perguntar à ele: dá para dizer “tchau” para esta situação ou pessoa(s)?

O que se quer com isso é fazer com que ele saia do discurso pronto de que “não quero pensar sobre isso” ou “não sei lidar com essa situação” para de fato enfrentá-la, e a isso chamamos de frustrar o cliente. Uma das frases que costumo pedir para que ele fale é: “mesmo sabendo que é importante ou necessário tomar tal decisão, eu escolho não ter que decidir nada agora”. Em seguida indago: Como foi falar isso?

A intenção é “ensinar” o cliente a assumir de forma adulta, madura e consciente suas decisões e/ou dificuldades, fazendo consciência com a situação vivida.

Muitas vezes o acolhimento vem em seguida e podemos confortá-lo dizendo: “realmente não é fácil passar por isso ou tomar tal decisão”. Na prática, tenho visto que é muito difícil bancar o “tchau” de alguma situação vivida, mas é muito importante instigá-lo, pois com isso, ele acaba viabilizando novas formas de lidar com assuntos que pareciam impossíveis.

A partir daí, fazemos algumas perguntas necessárias:

  • “Como você pensa em lidar com isso?”
  • “Alguém poderá ajudá-lo?”
  • “Como isso se construiu em sua vida?”
  • “O que você consegue fazer hoje para lidar com isso?”

Quando o cliente consegue olhar de frente as situações das quais muitas vezes “fugia”, podemos fazer perguntas e a partir delas, buscar respostas. Caso contrário virá somente “eu não sei como isso foi acontecer” ou a “a culpa não foi minha”, etc.

Muitas vezes, mais importante que as respostas são as formas com que o cliente poderá encontrá-las.

Quanto mais falamos sobre uma situação evitativa e emblemática para o cliente, mais ele descobrirá formas de lidar com ela, pois a “verdade liberta”.

E de que verdade estou falando?

Das que não são as fantasias e histórias prontas com que os clientes costumam chegar ao consultório, pois algumas vezes, eles vem à terapia para nos convencer que seu caso é perdido, que não tem o que ser feito ou então chegam como uma esfinge em nossa frente e diz “decifra-me”.

Cuidado com algumas armadilhas (direção)


O cliente precisa saber o que está fazendo em sua vida – inclusive o motivo de estar na terapia.

Perls dizia que não podemos ser compassivos demais com o neurótico. Não esquecendo que o neurótico é aquele que chega ao consultório falando de muitos “deverias”, “e se”, “se isso não tivesse acontecido”, por exemplo.

Levar esses clientes à consciência das suas atitudes perante a vida e responsabilizá-los de suas ações é a nossa principal tarefa.

Pergunta como: “você acha que o que estamos fazendo aqui faz diferença?” é importante para essa consciência.

Alguns clientes quando nos contam suas histórias, também tentam nos convencer do quanto “o caso” dele não tem jeito. Pessoas resistentes em entrar em contato com suas escolhas tendem a se vitimizar, e a terapia pode ser um ótimo álibi do quanto ele é vítima de sua própria história.

Quando pessoas assim me procuram, para ser aliada dessa vitimização do mundo, eu acabo as frustrando. Costumo dizer que essa é uma armadilha para nós, pois ao nos tornamos álibis da história de vida delas, do quanto elas foram injustiçadas, estamos de alguma forma tirando a possibilidade de mudança e crescimento.

Que fique claro, que injustiças (abusos, mortes, tragédias, etc) vitimizam sim as pessoas, mas a terapia pode além de confortar essa dor, tristeza, luto, etc. dar caminhos para que, “apesar” de tudo o que ela passou, ainda assim, é possível dar um novo rumo para sua vida.

Saímos dessa armadilha, quando somos curiosos em entender como aquilo se construiu na vida do cliente. É aí que começamos a fazer perguntas mais assertivas. Isso se chama ter “direção” na sessão.

Estudar sobre temas específicos (potência)


Um tema bastante recorrente nas sessões de terapia que eu atendo se refere aos relacionamentos. E quando um tema é recorrente no consultório, necessitamos estudar sobre eles.

Eu fiz isso e neste caso específico, aprendi, por exemplo, que quando alguém se diz apaixonado, podemos pensar em um vício: “não consigo sair dessa relação, é mais forte que eu”. Isso lembra uma adicção. E o tratamento pode ser similar ao propormos ao cliente que diga: “só por hoje não vou sair com ela(e)” ou “só por hoje não mandarei mensagem”. Em seguida, pergunto como ele se sente ao falar assim.

A intenção é identificar se ele consegue ou não bancar essa situação.

Outro exemplo: quando a frase comum é “não consigo viver sem essa tal pessoa”, podemos trazê-la para o “aqui e agora” e perguntar: “você procurou a terapia justamente por não conseguir levar mais adiante a relação, o que está acontecendo de fato”? “Você quer ficar ou quer sair da relação”?

Estamos mais uma vez dando direção para a terapia e saindo dos “deverias” ou do “se”.

Outro tema comum é sobre os amantes. Ter um(a) amante numa relação, geralmente faz a pessoa sentir-se culpada e com culpa não tem como enfrentar uma relação ruim. Neste caso o amante alimenta a culpa, o que inviabiliza sair da relação, tornando-se um ciclo vicioso: quanto mais suporta uma relação ruim, mais faz sentido ter um (a) amante, ou, mais merece ter.

Também é muito importante enquanto terapeutas, entendermos o quanto é difícil renunciar e abrir mão de uma relação.

E é com essa mão que frustra e a outra que apoia que vamos ajudando o cliente a avançar na direção que ele deseja. Muitas vezes acelerando e provocando mudanças. É o que chamamos de potência, ou seja, a nossa capacidade de intervir, fazer o cliente caminhar, principalmente quando ele chega cheio de impasses (por exemplo, me separo ou não).

Perguntas como: “desde quando você aprendeu a gostar de quem não gosta de você? Onde isso é conhecido?” ou até mesmo mostrar para ele que muitas vezes o que ele chama de gostar, na verdade se chama dependência ou obsessão, são caminhos de conscientização, e, com consciência é muito mais fácil sair ou ficar.

É também importante o terapeuta saber que, será um perturbador do sistema (familiar e social).

Vamos ser odiados em algumas situações, justamente por que o sistema foi mexido – sempre é cômodo para alguém da família manter as coisas do jeito que estavam – com isso estou dizendo que não podemos ignorar que a terapia faz a pessoa tomar decisões, mas, vale lembrar, nós não podemos nos responsabilizar por elas.

De uma forma geral


Sei que esse tema (tarefas de um terapeuta) é instigante e não tem fim, visto a complexidade da alma humana.

Mas, se eu pudesse lhes deixar com algumas dicas, diria:

  • Seja humano com seus clientes e tenha interesse e cuidado à tudo o que tange ao seu plano pessoal e afetivo;
  • Compartilhe algumas de suas próprias experiências (se você perceber que isso irá agregar ao processo do cliente), pois é importante que o cliente nos enxergue como um modelo possível;
  • Em muitas situações, uma resposta sábia tem muito mais poder que uma técnica;
  • Tenha compromisso e comprometimento com seu cliente;
  • Não podemos trabalhar segurança em determinada situação com o cliente –por exemplo: pleitear uma promoção – se ele não tem competência, não podemos criar charlatões;
  • A importância de “ensinar” formas de expressar sentimentos: rir, chorar, sentir raiva, quando o cliente não tem isso em seu repertório;
  • Instigar o cliente a conhecer e a experimentar todas as possibilidades: quanto mais possibilidades, mais repertório para a vida;
  • Ampliar a consciência da própria pessoa: quem é ela(e), fale sobre ela(e), saber como ela(e) foi se construindo desse jeito;
  • Perguntas e colocações assertivas: – Percebo que todos na sua família interferem nas suas decisões, como você recebe isso? Como você se sente a respeito disso que me contou? Você está me contando isso, isso e isso. Você está me dizendo que não tem mais saída? Como você faz quando não tem mais saída?;
  • Relação do terapeuta com cliente é única. O que eu vejo e o que eu ouço, e não o que eu interpreto ou transcrevo.
  • E sobre o tempo da terapia: Algumas terapias tem tempo para começar e não tem tempo para acabar, algumas vezes o próprio cliente se dá alta.

Se é ele que veio à terapia para trabalhar suas questões, ele estará se responsabilizando por elas da mesma forma que poderá se responsabilizar em parar de ir às sessões.

Onde podemos buscar mais informações sobre este tema?

Martim Buber e a sua relação dialógica; nos artigos anteriores quando falamos das bases da GT, e claro, na experiência diária de vocês que é onde você poderá aprender a ter esse olhar e esse enfoque no processo.

Uma relação cliente/terapeuta é construída e é única.

Deixo vocês com uma fábula baseada no conto de Hans Christian Andersen, lembrando que nosso papel é igual ao da criança ao revelar que sim: “o rei está nu”.

O Rei Está Nu


Era uma vez um rei muito vaidoso e que gostava de andar muito bem arranjado. Um dia, um alfaiate espertalhão deu-lhe o seguinte conselho:

- Majestade, é do meu conhecimento que apreciais andar sempre muito bem vestido, como ninguém; e bem o mereceis! Descobri um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de o ver. Com um manto assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes das pessoas tolas, parvas e estúpidas que não servirão para a vossa corte.

- Oh! Mas é uma descoberta espantosa! - respondeu o rei. - Traga-me já esse tecido e faça-me a roupa; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço.
O alfaiate aldrabão tirou as medidas do rei e, daí a umas semanas, apresentou-se, dizendo:
- Aqui está o manto de Vossa Majestade.
O rei não via nada, mas como não queria passar por parvo, respondeu:
- Oh! Como é belo!

Então o alfaiate fez de conta que estava vestindo o manto no rei, com todos os gestos necessários e exclamações elogiosas:
- Vossa Majestade está tão elegante! Todos vos invejarão!

A notícia correu toda a cidade: o rei tinha um manto que só os inteligentes eram capazes de ver. Um dia, o rei decidiu sair para se mostrar ao povo, desfilando pela cidade, com sua comitiva real acompanhando.

Toda a gente fingia admirar a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou:
- Olha, olha! O rei está nu!

Ninguém conseguiu segurar o riso. Todos gargalharam e só então o rei compreendeu que fora enganado. Envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.

(Baseado no conto de Hans Christian Andersen)

Amo dizer a frase: “a verdade liberta”, como vocês já devem ter percebido, pois vivo isso em meu consultório. Sou testemunha dessa libertação, então, não tenham medo de revelar a verdade para seus clientes!

Tenham um excelente 2017!

Até breve.

Autor Simone Dreher

Simone Dreher

@simonedreher

Psicóloga, Mestra em educação com 21 anos de atuação em clínica e desenvolvimento de pessoas. Palestrante e Professora. Idealizadora da fanpage: Mulher de potencial. Duas formações em Gestalt terapia e neste canal ela vai contar o que aprendeu e como a Gestalt transformou sua atuação no consultório e o seu jeito de ver e viver a vida.

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